Um dia acordei, abri a janela, como faço sempre, e não esbocei aquele sorriso tão meu, tão frequente. Lembro-me de pensar nisso e achar estranho. O que me estaria a acontecer, naquele dia? Pensei: isto é normalíssimo: toda a gente tem dias em que não lhe apetece sorrir. E é verdade. Concordo em absoluto. Há dias que não podemos estar felizes e, então, não há sorrisos, não há alegrias e não há, supostamente, felicidade. Esse poderia ter sido um dia assim. Mas não foi, infelizmente.
No
dia seguinte acordo novamente, sem nenhum sorriso aparente. Lembro-me, até, que
tive alguma dificuldade em sair da cama (o que não é normal em mim). Mas
levantei-me, porque assim tinha de ser. Porque, feliz ou infelizmente tinha de
ir trabalhar e tinha obrigações a cumprir. Lá fui eu, a custo mas fui.
Lembro-me que as semanas seguintes andava sem motivação para nada e o acordar
de manhã continuava a ser um tormento. Tormento esse que, dia após dia, se
tornava cada vez maior. Pequenos
pormenores, talvez grandes tontarias; mas já nem a janela comecei a abrir
sequer. Nem para isso tinha força… Seria força ou disposição? Seria disposição
ou motivação? Seria… E a vida não é nem pode ser feita de “seria”. No entanto, eu achava que podia. Eu… e todos
aqueles que têm a chamada doença “depressão”.
Descobri
que a tinha passado um ano de estar a viver assim. Sem entusiasmo, triste,
melancólico, cansado, sem apetite, com muito sono… Enfim, quase como um
vegetal. Eu sabia que não estava bem. Os outros… Os outros diziam-me que tudo
iria passar. Que era só uma fase menos boa da vida. Que todos temos de passar
por ela. Será que temos? Hoje em dia, sei que não. Não podemos, nem temos todos
de ter depressão. Não é um estado obrigatório, mas sim um estado a que chegamos
e, se não tivermos a ajuda de ninguém especialista, continuamos a cair e a
cair… E será que há limites para essa queda?
Para
mim houve limites. O meu limite deu-se quando quis pôr termo à minha vida. Sim,
a depressão pode levar ao suicídio. Foi exatamente o que me aconteceu. Como é
que eu, uma pessoa perfeitamente normal e bem com a vida (há uns tempos atrás)
tinha chegado àquele ponto? Como é que eu tinha querido suicidar-me?
Não
sei se há culpados. Não sei se vou atribuir as culpas a alguém, ou se tenho de
o fazer. Contudo, sei que eu podia ter feito algo diferente. Simplesmente não
tinha forças. Não estava, também, consciente disso. Sei que alguém podia ter
feito algo por mim. E é aí que quero chegar. Os outros… Porque são eles tão
importantes na nossa vida? Frequentemente, ouvimos “tu precisas sempre de
alguém, até do padeiro que te faça o pão”. É verdade, concordo em absoluto.
Mas, quando eu mais precisei, foi quando eu só ouvi “tem calma, vai tudo correr
bem, é só uma fase menos boa”. Não era isto. Não podia ter sido só isto.
Se
eu tivesse uma pequena constipação, sei que teria tido muito mais atenção?
Exagero? Parvoíce? Não! Pura realidade! Não digo com isto que os outros não
tiveram lá para mim. Não é nada disso. Digo com isto que a sociedade incutiu
aos outros (estes outros, como tantos outros) que a saúde mental vai passar.
Sem ajuda, sem mais nada. Simplesmente passará. Porque, um dia iremos acordar,
e todos os sentimentos, emoções e pensamentos negativos desaparecem.
Porque a saúde mental é
assim… Não há urgências! Não há especialidades! Não há preocupação! Há uma
frase “tudo vai ficar bem”. E até pode ficar, mas com a ajuda de profissionais
competentes para tal. E aqui é fucral e retratei a minha história para
conseguir chegar a esse ponto. As pessoas com depressão precisam de ajuda
psicológica. Não são apenas os químicos que tratam a depressão (e, na minha mera opinião,
estão tão longe disso). A depressão pode ser tratada, tem cura e, tal como as
doenças físicas (em que vamos ao médico e tomamos coisas), a depressão também
vai passando. As coisas que nós tomamos são, todos os dias, pequenas poções de
alegria, bem estar e felicidade, para que um dia… Um dia possamos gritar ao
mundo que também nós ultrapassamos a doença! E não era um cancro, mas sim uma
depressão.
Mafalda Leitão é psicóloga e escreve na revista gira, sempre aos dia 7 e dia 21 de cada mês.
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