“Há falta de formação nos empresários”



Nuno Artur Duarte é um homem de sucesso, criador de várias empresas, entre elas a Epagro, sedeada em Alverca, e que atua no ramo das sementes e agroquímicos. Fez parte do PSD, nunca quis ser uma figura pública e é um homem humilde. Foi um dos fundadores e ainda é administrador do Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas (CNEMA), em Santarém, fez parte de diversas organizações como o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), foi diretor da Confederação do Comércio de Portugal (CCP) e presidente da Associação Académica de Santarém. Nasceu e cresceu em Santarém e divide agora o seu tempo entre a casa em Cascais e as fazendas no Brasil. Esta é uma rara entrevista a este ribatejano exemplar.


O seu percurso profissional é longo. É possível resumi-lo?
Eu nasci e cresci em Santarém. Tirei o curso técnico engenheiro agrário e depois uma formação em estudos superiores ultramarinos. O objetivo era desempenhar funções administrativas nas colónias. Interrompi para fazer o serviço militar, onde me especializei em códigos e transmissões. Consegui depois um emprego numa empresa de agroquímicos, em Lisboa, chamada Valadas. Só que, ao fim de seis meses, em 1960, fui chamado para a guerra, em Angola. O primeiro ano foi muito duro, porém, tive a sorte de me dar bem com o coronel Silva Sebastião (ex-governador de São Tomé e Príncipe). Ele nunca conseguia encontrar o número suficiente de jogadores de bridge e eu acabava por me juntar ao grupo de tenentes e coronéis na casa dele (risos). Portanto, depois de um ano em zona de combates, fui para Vila Salazar onde o ambiente era bem mais calmo. Pelo meio, ainda vim à metrópole casar e a minha mulher na altura chegou a viver em Angola. Quando cá cheguei, em 1963, voltei à empresa onde tinha estado cerca de meio ano, mas já como gerente. Ainda adquiri parte do capital e depois foi tudo vendido a um grupo britânico. Ainda lá estive cerca de 17 anos até que fui convidado a abrir uma filial na América do Sul. Convite que recusei. Saí com uma indemnização razoável e é nessa altura que abro a minha primeira empresa, a Quimagro que, mais tarde, é comprada pelos italianos da CIPCAM. Só depois de tudo isso é que surge a Notai e a atual Epagro.

Já ponderou reformar-se e vender o que tem?
Sim, mas hoje em dia nunca conseguirei muito dinheiro. As grandes corporações internacionais aglutinaram as pequenas e hoje restam poucas. E eu já trabalho pouco. O meu filho é que gere praticamente toda a atividade e eu passo maior parte do tempo no Brasil, nas minhas fazendas.

E o negócio corre bem por cá?
Sim. Temos a nossa quota de mercado e somos exclusivos em alguns produtos, o que nos garante a sobrevivência. Tenho ainda uma empresa em Santarém [JS Gouveia], na área da metalomecânica, que ainda atravessa algumas dificuldades. Estamos a tentar recuperar.

Resultado da crise?
Erros de gestão. Decidimos investir em Moçambique e para isso candidatámo-nos a fundos comunitários. Até recebemos alguns milhares de euros para a compra de maquinaria, o problema é que parte do dinheiro tinha que vir do nosso bolso e para isso pedimos empréstimos ao banco. Resultado: ficámos com uma dívida enorme que estamos ainda a pagar.

Tem uma visão muito crítica em relação aos apoios vindos de Bruxelas?
No início, é tudo muito bonito. É claro que é sempre bom receber apoio financeiro mas o dinheiro tem que ser bem gerido. Agora falam em 25 mil milhões de euros até 2020. Tudo dividido ao longo destes anos todos, por tantas empresas e autarquias, fica pouco para cada um.

Porque é que acha que depois de tantas verbas recebidas no passado, o país permanece na cauda da Europa?
Decisões erradas de todos os quadrantes, empresários, inclusive. Há portugueses espalhados pelo mundo, como no Luxemburgo, na França, no Canadá e nos EUA, que são todos bem recebidos e trabalham tão bem ou melhor que os locais. Porque é que isso não acontece cá? Não há quem os oriente. Há gente de valor, mas a maioria tem a quarta classe e pouco mais. Muitos agarram-se aos lugares e nunca demonstram vontade em inovar. Uma das grandes culpadas do estado do país é a má formação da classe empresarial. É um problema português que já é muito antigo. Já os romanos tiveram dificuldade em penetrar nesta zona da Ibéria. Ficou célebre uma frase de um general que escreveu para Roma a queixar-se: “aqui vive um estranho povo que não se governa nem se deixa governar”.

E os políticos?
Faltou-lhes uma visão para Portugal. O dinheiro foi dado a grandes grupos económicos e houve demasiados lobbies a trabalhar para o interesse pessoal. Veja-se a Finlândia que era um país de camponeses e agora é uma nação que lidera na tecnologia e indústria. Ou a Irlanda! Costumava-se dizer que “os homens formam-se nos bancos da escola”. A educação continua a ser um dos grandes problemas nacionais, sobretudo da classe empresarial.

Ainda chegou a fazer parte do PSD.
Fui um dos fundadores mas nunca vi a política como uma fonte de rendimento mas como uma forma de fazer mexer o país, criando condições para o comércio e enriquecimento da população. Durante anos paguei a renda da sede de Lisboa. Costumo dizer que sou dos poucos que foi para a política para gastar dinheiro.

E agora com uma crise mundial, como conseguimos recuperar o tempo perdido?
Vai ser muito difícil. Estamos dominados pela Europa e somos pequenos demais. Se sairmos da União Europeia (UE), entramos numa recessão sem fim. Ficar, implica sujeitarmo-nos às regras das grandes potências e a Alemanha nunca quererá dar o braço a torcer. Tende sempre a olhar para os países de leste, que são mais próximos, descurando o lado ocidental. Alguns países ainda tentam enfrentar o poder alemão, como a Grécia, e veja-se como ela está.

A UE é um projeto falhado?
Começa a ser. Até os ingleses pensam em sair! Eu sou adepto de uma reorganização drástica. Como? Não sei. O Churchill é que costumava dizer que “a democracia é o pior sistema político à exceção de todos os outros” (risos). Em breve, se tudo correr bem, Portugal irá alargar a sua área de influência marítima e tornar-se-á uma nação muito mais poderosa a nível mundial. Talvez isso se reflita na economia.

A zona entre o Carregado e Azambuja até rejuvenesceu. O tomate, o vinho, o azeite são exemplos de pujança. Ainda há quem diga que o Ribatejo está a morrer. Concorda?
Há uma parte da região que parece que estagnou, como Abrantes, Cartaxo e mesmo Santarém. Leiria, ao invés, cresceu imenso! A culpa, em parte, é da falta de empreendedorismo. Mas sempre foi assim. Já antigamente se dizia que “Santarém é boa madrasta e má mãe”. Os autarcas também tiveram a sua quota de responsabilidade. Mas do que nos podemos queixar? Temos autoestradas para tudo quanto é sítio. O que queremos mais?

As distâncias continuam a ser um tabu muito português…
É ridículo! Estamos a 100 quilómetros da fronteira espanhola. No Brasil é já ali, aqui parece que é do outro lado do mundo.

E será a aposta nos serviços a mais correta?
Ainda há dias o Medina Carreira queixava-se da diminuição da agricultura e da indústria nos últimos anos. É preocupante, sem dúvida. Os serviços e o turismo trazem sobretudo empregos precários e pouco progresso. Todavia, reconheço que é um setor em ascensão e a que se deve dar toda a atenção.

O Nuno Artur Duarte tem 80 anos e parece gostar de se manter ativo.
Já faço muito pouco. É preciso dar lugar aos novos.

Mesmo no Brasil está a gerir fazendas.
Sim, gosto de criar e ter ideias. Em breve, deverei arrancar com uma projeto na área da piscicultura. Parar é morrer.

Como surgiu o Brasil na sua vida?
Através de um amigo, nos anos de 1990, que me convidou para ir lá passar uns dias. Fiz muitos amigos e conheci empresários que me aliciaram, primeiro para a área da construção civil e, depois, para a agricultura. Tinha ficado viúvo e lá também me apaixonei pela minha atual companheira. Portanto, o Brasil é a minha segunda casa.

E como vê a situação política daquele país?
Está péssima e duvido que recupere nos próximos anos. A corrupção tomou proporções gigantescas. O que salva é a agricultura: são o maior produtor de café no mundo, o número dois na soja, no ferro, na laranja. E exportam tudo, porque o povo não tem dinheiro para comprar. É mau por um lado, mas bom por outro.

Qual é a sua área de negócio?
A minha atividade principal é a floresta. Tenho mais de 1500 hectares de pinhal no Maranhão, perto de Florionópolis, no sul do Brasil. Aterrei na altura certa, quando a terra era muito barata. Cada hectare, na altura, custava cerca de mil reais [250 euros], e agora vale 10 mil reais [2500 euros].

Além do Brasil, também tem investimentos em Moçambique. Lá parece que tudo está mal também…
Muito complicado. Quero vender o que tenho e está a ser impossível. O problema deles é que têm uma economia fraca, muito baseada no carvão, que vendiam à China que já não o quer. E começam a surgir problemas políticos que são preocupantes. Vamos ver como tudo termina.

A Epagro é um caso de sucesso?
Sim, felizmente. Temos concorrentes muito fortes mas orgulhamo-nos de ser a única empresa do país no setor com 100 por cento de capitais nacionais.

Os agroquímicos continuam a ser muito atacados pelos ambientalistas.

Sem razão de ser. Não acho que devemos ser cegos na defesa dos químicos porque, obviamente, em excesso são prejudiciais. Porém, são cada vez mais seguros. Comparativamente com o passado, das 800 substâncias são usadas agora umas 200. As grandes marcas passam por uma bateria enorme de testes e análises porque a última coisa que eles querem é serem alvos de processos judiciais. Além disso, temos que ser realistas: a agricultura biológica é bonita mas muito cara e dispendiosa. É impossível alimentar sete mil milhões de seres humanos com pequenas hortas. E vai ser pior. Veja-se o caso da China com quase dois mil milhões de habitantes, a maioria pobre, a viver em zonas rurais e a comer arroz. Com o crescimento económico que eles estão a viver, se passarem todos a comer carne de vaca, esgotam-se logo os 400 milhões de cabeças gado que existem no Brasil. Faz-me lembrar aquela história do cigano que queria poupar dinheiro a alimentar o cavalo. Então foi reduzindo a quantidade de comida de dia para dia. E de facto houve um dia em que não gastou ração com o animal. Foi no dia em que o cavalo morreu de fome.

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