Sala d'Espelhos



Aos fins de semana, diversas coletividades organizam bailes 💃 de convívio. É o caso dos Bombeiros Vila Franca de Xira ou da Sociedade Filarmónica Recreio Alverquense. E neste fim de semana da Páscoa, o ritmo ganha outro folgor. Eventos que perderam o ânimo de outrora. O nosso estoriador olha para o passado e recorda os bons velhos tempos.


Por David Fernandes Silva*


Chegada a Primavera, não haveria sociedade recreativa ou colectividade, do mais popular ao mais elitista, em que não ecoasse o velho clássico: “A menina dança?” 👫
Significava isto que o associativismo (antes dos espaços de “comércio”, como as “discotecas”) promovia o sincretismo entre a arte e a socialização, por meio da dança. Uma das grandes vantagens era o facto do contexto não ser “guetizado”, porque toda a gente (até os pés de chumbo), dos 10 aos 100 anos, dançavam. Até os hoje pomposamente chamados “diálogos intergeracionais” ocorriam em contexto de baile, pois os mais velhos, a propósito da dança, passavam aos mais novos um conjunto de ensinamentos de desenvolvimento pessoal e social, (saber estar, saber conversar e até saber tocar… - note-se que fomos desaprendendo o toque, até na dança…)
Fosse nos bailes do “Zé Miranda”, do Ateneu (em Vila Franca) ou da Sociedade (em Alhandra), por ocasião de um “Baile da Pinhata”, um “Baile de Primavera” ou um “Baile da Chita”, as salas engalanavam-se e enchiam-se, porque a dança era um encontro das pessoas, da vida, da arte, dos corpos… aí se mostravam passos arrojados, se davam a conhecer as bandas, se abriam à idade adulta os jovens e claro que havia namoros e romances tórridos, como aquele entre um filho-família e uma corista do Parque Mayer, que gerou uma polémica enorme nos puritanos anos 1940, em Vila Franca, nascido num chique baile de debutantes, no Clube Vilafranquense. Apesar de hoje, em casos esporádicos, ainda haver nas colectividades alguns bailes, é uma pena que o mais notável salão de baile de Vila Franca, o tal do Clube, sirva para todo o género de eventos, mas ainda não tenha apresentado uma festa destinada a redotar aquela notável “Sala d’Espelhos” de um grande baile capaz de fazer, de novo, ecoar o glamour dos bailes de Vila Franca.
Não sou um saudosista – seria tonto se não achasse maravilhosas tantas coisas deste nosso presente – e sei que longe vai, é certo, o tempo dos ósculos frementes em mão enluvadas, de danças apontadas em cadernos e linguagem de leques, com que se faziam romances… mas reconheço que “desaprendemos” de nos ligar a dançar (nos bares dança-se sozinho e/ou desagarrado – a menos que o copo na mão conte como companhia - e o som é tão intenso que é impossível conversar…). Acho que é tempo de voltar a desenrolar a passadeira vermelha, acender os candelabros e deslizarmos, como deuses, naquela Sala d’Espelhos… Quem me acompanha?

*estoriador e cronista na gira


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