Passear pelo Pico









Raúl Brandão escreveu “o Pico é a mais bela e extraordinária ilha dos Açores, com um estranho poder de atração. É uma estátua erguida até ao céu e amolgada pelo fogo". Faço destas as minhas palavras. Conheço São Miguel, São Jorge, Faial e o Pico. Esta última é, para já, a minha preferida no arquipélago. Acho que há algo de imponente naquela montanha, plantada no centro do oceano, ultrapassando os dois quilómetros de altura, um monstro silencioso e omnipresente. A ilha é fotogénica de todos os ângulos e tem imensos recantos deliciosos que vale a pena descobrir. E ainda por cima passa muito ao lado dos grandes circuitos turísticos. Como tal, mesmo em agosto, pode ser visitada com calma, sem grandes magotes a meterem-se no caminho. É, sem dúvida, uma ótima opção para relaxar e libertar o espírito de todo o cansaço acumulado. Além disso, há imensas atividades e por toda a parte respira-se silêncio e uma harmonia de cores e sons, só possível ali, no meio do Atlântico.
A melhor forma de visitar é alugando um veículo e percorrendo as estradas com um simples mapa. É quase impossível perder-se, ainda assim recomendo cautela, um mapa e atenção redobrada às indicações na estrada. O Piquinho, lá bem no alto, serve como guia para irmos circulando em seu redor, a partir da ER1, que circunda toda a ilha. Há pequenas vilas piscatórias, praias de água quente, de rocha vulcânica claro, prados sem fim, vaquinhas a olhar para o horizonte e bons restaurantes. E há algo que me fascina sempre quando viajo: detalhes históricos e novas descobertas que nos deixam impressionados de como tão pouco conhecemos sobre o nosso país.
O Pico é diferente das restantes ilhas, porque é a mais jovem e, por isso, todo o território ainda mal sofreu o desgaste do tempo. Geologicamente falando, claro. Há muita terra, sim, mas há sobretudo rocha, escura, mal parida das entranhas da terra, que vem sendo gasta pelo vento e escavada pelo homem nos últimos séculos. Foi lutando contra a aspereza dos terrenos, que os primeiros colonos portugueses, franciscanos, usavam as pequenas reentrâncias, falhas, rachas e buracos para enterrar os bacelos de verdelho. Este modo de cultivo da vinha é a imagem de marca do Pico, com as propriedades fechadas em pequenos currais, criando microclimas e desenvolvendo culturas que, aparentemente, poderiam ser impossíveis. É a prova da determinação humana. O vinho verdelho chegou à mesa dos czares russos, tornou-se paisagem protegida e é património mundial da humanidade desde 1996. O concelho da Madalena detém grande parte destes vestígios. Tem que visitar o museu do vinho, instalado num antigo convento, com uma vista sublime para o Faial.
Nas Lajes do Pico, no lado sul, está instalado o museu regional dos baleeiros que expõe muitos dos objectos que eram usados na caça à baleia, até ela ser proibida em 1987. Escusado será dizer que esta era uma das indústrias mais importantes, bem patente no museu que também existe em São Roque do Pico, na margem norte, onde é possível parar para comer qualquer coisa. É também daqui que se apanham os barcos para São Jorge. Um outro passeio que pode ser lido aqui.
O lado nordeste, menos povoado, está salpicado de vaquinhas a pastar, em prados de perder de vista. Há lagos suportados por antigas crateras; hortênsias a delimitar as curvas nas estradas; uma atmosfera húmida constante; e um silêncio apaziguador. Pontos de paragem obrigatórios, indo pelo lado sul, começando na Madalena, que tem ligação marítima à Horta, na ilha do Faial:

1 - Moinho do Mistério de São João e que é visível da estrada.
2 - Lajes do Pico, onde almoçamos no restaurante Lagoa com grelhados e marisco fresco. É também aqui perto que se encontra aquela que terá sido a primeira construção humana na ilha, a antiga capela onde morou frei Diogo das Chagas, o primeiro habitante do Pico.
3 - Calheta de Nesquim, onde existem ainda casas dos botes baleeiros e uma vigia que era usada para avistar as baleias no mar.
4 - Farol da Manhenha, na ponta da ilha. São Miguel fica 200 quilómetros a sudeste.
5 - Saia da estrada principal, circule pelos itinerários secundários e admire o verde sem fim. As estradas estão bem alcatroadas, mas cuidado com as curvas!
6 - Siga em direção à EN2 e regresse à civilização em São Roque do Pico. Há uma praia bem bonita onde é possível estender a toalha e dormir em cima da rocha.
7 - Regresse ao centro da ilha e conduza em direcção a oeste pela maior reta de estrada que existe fora do continente. Com nove quilómetros sempre a direito, 23 no total, a EN 3 deixa-o praticamente à porta da Madalena.
8 – Dê um pulo ao museu do Vinho que, além de peças históricas, tem um bonito jardim com dragoeiros com mais de 900 anos de idade!

Pelo meio, poderá encontrar alguns mistérios. A sério! São campos de lava solidificados, em locais e de formas estranhas, para as quais os habitantes não tinham justificação, sendo por isso chamados mistérios da natureza. O nome pegou e há, agora, muitos mistérios espalhados pela ilha do Pico. E eu, que por lá andei, confirmo. Há muitos segredos no Pico. Há recantos, igrejas, praças, casinhas, campos e paisagens que não aparecem nos guias turísticos, mas que são vestígios de um povo e de uma História que é nossa. Cabe a si descobrir essas maravilhas. Boa viagem!

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