Por Guida Alves*
Ao longo da minha prática profissional, cruzo-me com crianças infelizes em famílias quase perfeitas e verdadeiras heroínas que inexplicavelmente ultrapassaram tudo. São estas últimas que nos fazem ganhar alento e continuar a acreditar que o Natal pode ser todos os dias. Gostava de partilhar convosco a história real de Francisco (nome fictício), de 15 anos, que nasceu numa aldeia na periferia de um grande centro urbano, o mais novo de um grupo de cinco. Era o último numa casa pequena, sem luz, com água de captação natural, onde a pouca mobília incomodava o bailado de tantas moscas que por ali andavam e que era difícil de não colidir com uma dúzia delas quando ali entravamos. Num pequeno quarto, jazia a mãe de Francisco que o infortúnio da doença e a obesidade a lançou à cama. Com um pai alcoólico, cabia a Francisco cuidar da higiene da mãe, esvaziar a velha lata de tinta que servia agora de contentor para as fezes e urinas. Francisco cuidava da casa e da roupa. A escola nunca percebeu que aquele simpático e educado jovem lavava a sua própria roupa à mão, estendia de imediato para atenuar a falta de ferro de engomar e que cozinhava as suas refeições e a dos pais. Francisco cuidou da mãe até aos seus últimos dias, que preocupada com o futuro do filho, tentava encontrar soluções. Colocou-se a hipótese da entrada para a Marinha, a garantia de um teto e alimentação para o filho, alegrou os últimos dias da mãe de Francisco. Partiu antes de ver o seu desejo concretizado, mas Francisco não defraudou o pedido da mãe: só não entrou para a Marinha porque nunca contou a ninguém que não sabia nadar, o que fez com tivesse entrado para o Exército. Hoje, homem feito, tem a sua família e representa aquilo a que denomino os “sobreviventes do holocausto familiar”. Se o Natal é sempre que um homem quer, era óptimo que este espírito perdurasse para além do tempo festivo e com que epidemicamente nos contagiasse de solidariedade, respeito por nós e pelos outros e acima de tudo pela manutenção e solidificação base de qualquer sociedade, a família.
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