Os nossos soldados do amor


Assinala-se, esta segunda-feira, 5 de dezembro, o dia internacional do voluntariado. Pelo concelho de Vila Franca de Xira há centenas de voluntários a trabalhar em todo o tipo de instituições. Não há uma estatística concreta e as próprias organizações admitem que o número flutua. Porém, a tendência é crescente. Nesta quadra natalícia, enquanto muita gente se foca nas suas famílias e nos seus lares, há pessoas que preferem pensar naqueles que mais precisam. São os nossos soldados do amor.

João (nome fictício) tinha uma vida normal. Trabalho estável, quarto alugado, rotina de um qualquer assalariado português, a viver entre Lisboa e a Póvoa de Santa Iria. Até ao dia em que perdeu o emprego. A morar sozinho, sem ninguém para partilhar despesas, João vê-se, subitamente, num buraco sem fundo. Contas que continuam a cair, dinheiro que nunca chega, pais que são incapazes de o poderem ajudar. Orgulhoso, nem mesmo ele se atreve a pedir auxílio a quem lhe está mais próximo. "É complicado quando nos chegam casos destes. Pessoas que levavam vidas normais e que, de repente, deixam de ter chão", reflete Helena Timóteo, da associação Companheiros da Noite. "É, porém, sempre possível resolver os problemas. Motivamos para a mudança", assegura.
A profissional de turismo, de 52 anos de idade, é um dos 68 voluntários que trabalham neste grupo de apoio alimentar criado em 2002. "Começámos a fazer um trabalho muito residual, entre amigos, mas o apoio foi crescendo e, quando surgiu a crise, atingimos um pico de 80 utentes, embora tenhamos referenciadas 120 pessoas. O número oscila. No verão diminui e no inverno a carência é maior", refere Helena Timóteo. Duas vezes por semana, aos sábados e às quartas-feiras à noite, cerca de 68 voluntários dividem-se em seis equipas de rua que distribuem a comida pelos sem abrigo e pessoas que até têm teto mas nenhum dinheiro para o essencial. "No entanto, esta é apenas a metade do nosso trabalho. A outra é sermos o ombro amigo: acompanhamos ao médico, levamos as pessoas ao centro de emprego, encaminhamos os casos mais complicados para instituições que tenham respostas adequadas e, sobretudo, ouvimos e damos abraços. Às vezes, simples gestos fazem toda a diferença", assevera a responsável.
Opinião partilhada por Celeste Martins, de 70 anos, voluntária na Cáritas de Vila Franca de Xira. "O que mais me impressiona é a solidão. É incrível a quantidade de gente que vive só, que até tem família e que são deixados ao abandono". Dedica duas manhãs da semana a esta casa que dá apoio a mais de centenas de necessitados. "Fazemos um trabalho muito importante. Toda a ajuda é pouca. É claro que se não estivesse aqui, alguém faria o meu trabalho, mas assim liberto as técnicas que podem dedicar mais tempo a outros assuntos", explica.
O papel dos voluntários da Liga dos Amigos do Hospital Vila Franca de Xira é também de ajudar a aliviar momentos de dor. "Já chegámos a ser 70 mas este é um serviço muito difícil e exigente. Nem toda a gente tem estômago", lamenta Lurdes Assunção, de 72 anos de idade. Atualmente lidera um grupo de 26 pessoas que desempenham funções em diversos serviços: orientam e distribuem os utentes pelas diversas valências, servem café, chá e bolachas a quem espera nas consultas, fornecem cabeleireiro e manicure, e são confidentes quando precisam. "Muitos doentes contam com o nosso apoio para conversar e esclerecer dúvidas. Sentimos que fazemos a diferença", acredita. Opinião partilhada por Helena Timóteo, dos Companheiros da Noite. "As pessoas vêm-nos como iguais, enquanto que os técnicos  por vezes são vistos como entidades mais distantes".
Lurdes Assunção é uma ex-vítima de cancro da mama. "Quando frequentei os serviços do Instituto Português de Oncologia (IPO), senti que o apoio dado pelos voluntários foi de tal modo importante que, depois de ficar curada, decidi dar o meu tempo à casa". Foi comerciante em Vila Franca de Xira até há dois anos, altura em que se reformou. Continua a ir uma vez por semana ao IPO, em Lisboa, e quase todos os dias ocupa-se com o hospital. "Às vezes, até ao fim de semana", diz, soltando uma gargalhada. "Gosto daquilo que faço e é importante sermos solidá-rios".
Contudo, o voluntariado pode ser, igualmente, uma forma de aprender. Que o diga Maria José Caldeira, reformada de 64 anos. "Saí de uma profissão desgastante e queria algo pouco complicado em que pudesse ganhar novas ferramentas para a vida. Tinha um sobrinho na Associação para a Integração de Pessoas com Necessidades Especiais (AIPNE), em Alverca, e decidi vir cá perguntar se precisavam de ajuda e sugeriram-me a cozinha. Eu até nem era uma cozinheira exímia e sempre senti dificuldades em fazer comida para muita gente. Por isso aceitei isto como um desafio e uma aprendizagem para a minha vida". Sorri e faz uma pausa. "Pode parecer egoísmo, mas as pessoas não podem vir para o voluntariado contrariadas. Precisam também de se sentir realizadas", defende a ex-funcionária pública. "É preciso gostar", concorda Carlos Felix, de 17 anos, vilafranquense que dá aulas de dança, uma vez por semana, no centro de atividades ocupacionais da AIPNE, em Alverca. "Basta uma hora por semana, uma manhã, uma tarde. Todos podemos contribuir com algo", defende o jovem estudante na secundária Alves Redol. A Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, por exemplo, possuiu um Banco Local de Voluntariado que faz a ponte “entre os cidadãos voluntários e as entidades que disponibilizam oportunidades” e que pode ser um bom meio de lá chegar. Carlos Felix lamenta, porém, que muita gente da sua idade ainda torça o nariz na hora de ajudar o próximo. "A maioria pensa que isso só se faz indo para um país distante. O que é falso. Há, perto das nossas casas projetos e pessoas que agradecem o nosso apoio", defende.
É o caso da Mithós, associação de apoio à multideficiência, criado e dirigido por Manuela Ralha. Depois de um grave acidente e confinada a uma cadeira de rodas, a ex-professora deparou-se com “inúmeras barreiras” para poder realizar simples tarefas. “As entidades têm diversas falhas na coordenação entre diferentes tipos de serviços e somos muitas vezes empurrados de um lado para o outro sem nos encontrarem uma solução. Foi essa insatisfação e indignação que me trouxe-me até aqui”. Em vez de se abater, Manuela ralha arregaçou mangas e lutou pela sua vida. Como consequência encontrou um outro propósito para a sua vida. “Há pessoas que nos chegam aqui desamparadas e que, connosco, encontram um caminho e se tornam independentes. E isso dá-nos uma enorme satisfação de dever cumprido”. Joana Maia, de 34 anos, colaboradora na Mithós, acrescenta: “é um trabalho que mais niguém faz”. A trabalhar num projeto de inclusão nas escolas, sente que o contributo do voluntário é fundamental e eterno. Mas ressalva: “a ideia é sempre passar uma mensagem e construir mentalidades para que essas pessoas passem valores e sejam elas próprias portadores da mudança. Já conseguimos ajudar muita gente, que estava só e dependente a conhecer os seus direitos, o seu valor e que deixem de precisar de nós e sejam, inclusive, úteis para a sociedade. E é isso que queremos: tornar pessoas com incapacidades, capazes de serem independentes”, revela.






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