José Cid atua a 30 de setembro na praça
de touros Palha Blanco, em Vila Franca de Xira. Numa entrevista à revista gira,
o cantor de 74 anos, sim leu bem, 74 anos, não defraudou expectativas, mantendo
sempre o humor em alta e a boa disposição. É talvez esse o fio condutor de toda
a sua vida e carreira. Começou pelo fado, tocou jazz, esteve em bandas de
música rock, posou nu para uma revista, tirou um curso de desporto, praticou
hipismo, nos concertos gosta de se meter com o público e é um autêntico entertainer de multidões. As suas
músicas falam de Portugal, de mulheres, de brincadeiras, de amigos, de sol, de
copos com os amigos e às vezes de amor. “Sou cáustico e gosto de me divertir”, confirma.
“Acho que levamos a vida demasiado a sério e é bom sabermos aproveitá-la”,
explica. Nasceu na Chamusca e apesar de ter ido, aos 11 anos, para a Anadia,
distrito de Aveiro, nunca esqueceu as raízes ribatejanas.
O
que o fazia regressar ao Ribatejo?
Os amigos e familiares. O lado da minha
mãe é da Chamusca e apesar de ter ido para a bairrada, região do meu pai, mantivemos
casa cá e por isso era muito fácil voltar. Sobretudo aos fins de semana. E
acabei por manter sempre a ligação à terra. Mais tarde, construí uma moradia na
zona e sempre que vou a Lisboa ou tenho concertos perto é onde fico.
Que
recordações guarda da sua infância na Chamusca?
Tantas e tão boas… Eu cresci muito
apegado à tradição e aos costumes ribatejanos. Adorava sempre brincar com os
rufias e detestava estar com os snobes. Os outros brincavam na rua, acabavam
por ser mais divertidos, diziam asneiras e eram os rebeldes (risos). Gostava de
ir às largadas, sempre que posso ainda vou ver uma tourada, continuo a cavalgar
e até há dois anos praticava equitação de alta competição. Ainda tenho dois
cavalos muito bons que são treinados pelo António Vozone, cavaleiro olímpico
excelente. É certo que herdei a casa do meu pai, em Monte Foros, Anadia, e
tenciono mantê-la, mas a Chamusca tem-me acarinhado muito, considera-me filho
da terra e planeio corresponder sempre que possível. Recordo-me também das cheias
no Tejo. Eu morava a uns 200 metros do rio e quando a água chegava à nossa
horta eu fazia jangadas de canas e punha-me a navegar. Era muito divertido. Uma
vez, íamos morrendo, foi preciso os bombeiros irem-nos salvar de barco. Hoje em
dia, já nem há inundações como antigamente!
Nota
diferenças entre a Chamusca do passado e da atualidade?
Claro! Mas é engraçado ver como a vila
se manteve muito ligada às tradições e continua catita e bonita. Ainda assim, antes,
a agricultura era mais protegida e hoje sinto que as pessoas sofrem mais para
conseguirem manter os seus projetos de vida.
Porque
diz isso?
Depois da entrada de Portugal na União
Europeia estragámos o campo. Vendemos as nossas quotas, deixámos de produzir
leite, queijo, cereais e o vale do Tejo que era extremamente rico deixou de o
ser. As populações deviam de poder viver com dignidade, só que tudo o que
aconteceu é o resultado dos sistemas tipicamente republicados, os quais tanto
critico.
O
Ribatejo não ficou mais rico? A indústria do tomate e do arroz, por exemplo,
parecem ter escalado bastantes níveis.
Em certa medida sim. E devido ao
desemprego, muitos jovens regressam à terra. Só que a agricultura continua
pouco apoiada. É necessário gasóleo mais barato, a electricidade mais barata, entre
outras medidas, como acontece em Espanha, país que protege muito mais a sua economia.
O
José Cid sempre se caraterizou por nunca ter “papas na língua”. É crítico, mantendo
a boa disposição. Isso transparece muito nas entrevistas que dá, nos seus concertos
e nas músicas. Será o seu sentido de humor o fio condutor da sua carreira?
É provável. Eu tenho uma maneira de ser muito
cáustica. Levo as coisas a sério e também gosto de brincar, sempre sem maldade.
No entanto, há muita gente desonesta em Portugal e detesto isso. Abomino!
Será
também por ser muito brincalhão que aos 74 anos tem tantos fãs jovens?
Acredito que sim. As novas gerações revêm-se
em mim. Tenho gente que me segue porque digo coisas que eles gostariam de vociferar.
A malta nova gosta de ser ouvida e o sistema faz orelhas moucas. O resultado é
que mais de metade do meu público é de faixa etária baixa. Eles sabem que tenho
uma boa voz, há uma grande banda e encontram em mim aquela rebeldia que
gostariam de poder exprimir. O sistema político atual é de pouco diálogo. Os
dirigentes, porque ganham votos, acham que têm poder e carta branca para fazer
o que querem e deixam de ouvir as pessoas. Enfim, é o que penso. E nunca vou
deixar de criticar, mesmo que sofra consequências.
Já
teve problemas por usar da liberdade de expressão?
Sobretudo antes do 25 de abril. Eu tenho
tantas canções censuradas como o Zeca Afonso e o Adriano Correia de Oliveira. Já
na fase de democracia também fui alvo de polémicas. Costumo dizer que a
revolução dos cravos trouxe grandes vantagens mas provocou uma destruição de
muitos direitos e da classe média portuguesa. Parece que devemos tudo ao mundo
inteiro! É uma sensação horrível, sobretudo para os portugueses que são muito
orgulhosos. Por isso, gosto do António Costa que reconhece a dívida que temos
que pagar, porém aplicou um discurso diferente, mais apaziguador, tratando
melhor o povo que trabalha ou os reformados que descontaram para terem as suas
pensões. Acho interessante esta nova atitude, de deixar de pensar nas pessoas
como se fossem números.
Vê
o futuro com mais esperança?
Nem por isso, porque sou monárquico e
tenho uma visão diferente para o meu país. Todavia, sinto as pessoas aliviadas,
alegres e menos sobrecarregadas. Antes, parecia que estávamos condenados para a
eternidade.
A
sua carreira é impressionante. É, pelo que conheço, o único artista português
que começou nos anos de 1950 e ainda se mantém no ativo.
Tenho muita força e foi esta a vida que
escolhi para mim. O ano passado, ganhei o prémio “Pedro Osório”, da Sociedade Portuguesa
de Autores, para o álbum “Menino Prodígio”. Foi escolhido pelos meus pares e
isso para mim é muito importante e um enorme reconhecimento. A verdade é que eu
sou um cantor ao vivo. Quando estou em concerto torno tudo numa grande festa.
As pessoas regressam a casa a cantarolar os meus refrões e em palco tenho uma
energia enorme. Em 2015, fiz 50 concertos, o que até a mim me surpreendeu. É
claro que também levo uma vida muito saudável: nunca frequento a noite, sou
abstémio, alimento-me bem, durmo sempre uma sesta e nem toco em tabaco. Tudo
isto torna-me mais resistente. Sou um homem com 74 anos cheio saúde. Não tenho
culpa que muitos dos meus colegas tenham passado a vida a beber álcool e a
fumar. Duram menos! Problema deles (risos).
O
seu estilo musical é também multifacetado. Algum género em particular em que se
sinta mais confortável?
O que eu gosto mesmo é de escrever
canções. Algumas são mais pesadas, outras mais românticas ou populares. Costumo
dizer que só não consigo cantar é fado de Coimbra. Tenho um projeto de jazz e
este ano fiz um disco todo em espanhol. Sou muito camaleónico e este foi o dom
que Deus me deu.
Como
vê o panorama musical em Portugal?
Muito diversificado. O rap e hip hop são
interessantes a nível poético embora discutível na parte melódica. Acho que as
novas gerações são talentosas só que afastaram-se do que é essencial na música:
a poesia aliada a grandes vozes, boa musicalidade e originalidade. Tudo isto
junto é o que faz o artista sobreviver, como é o meu caso. Não obstante, fico
triste que os mais novos estejam desprotegidos e apelo, sobretudo às autarquias,
que protejam os novos projetos, para que fora das grandes cidades todos tenham
oportunidade de vencer.
Hoje
as músicas também vivem muito dos videoclips, da exploração da imagem e da
sexualidade. Gosta?
O sexo, para mim, é mais no meu quarto
(risos). Esse lado híper sensual faz com que as pessoas só olhem para a imagem
e deem pouco valor à canção e por isso é que o mundo está cheio de Britney Spears
e Justin Bieber. É o advento das tecnologias e com as novas plataformas
digitais toda a gente tem direito a se mostrar. O que é bom e mau.
As
rádios também não ajudam. Há uns anos pousou nu para uma revista em protesto
contra as playlists.
Verdade seja dita, eu tinha um disco a
tapar (risos). Se tivesse pousado nu tinha feito muito mais êxito (risos). O
homem ribatejano é muito apessoado (mais gargalhadas). Eu fiz essa sessão sem
roupa porque me estava a despir de preconceitos e a lutar por uma causa que
continuo a defender. Acho que as rádios desprezam grandes músicas e repetem
sempre os mesmos temas. Até os radialistas ficaram para trás e deixaram de
poder contribuir com o seu gosto musical.
As
suas músicas só passam nas rádios locais?
Sim e também na Antena 1 e Renascença.
Na Comercial e na RFM acham que não tenho nível para passar lá. Eles é que
perdem.
Como
descreve o seu último álbum lançado em 2015?
“Menino prodígio” é, sem dúvida, muito rockeiro
e pesado. Tem grandes poemas do José Régio e é bastante autobiográfico. Este
ano, ainda deverá sair o “Clube dos Corações Solitários do Capitão Cid”,
numa analogia ao “Clube dos Poetas Mortos”. Será um disco com canções mais leves
e melodiosas. O primeiro single “João Gilberto e Astor Piazzolla” já anda a
rodar por aí e devo lançar, em breve, “Saudades de Botequim”, segundo tema
extraído do mesmo álbum.
O
que podemos ouvir nos seus concertos?
É claro que passo sempre os meus maiores
sucessos, “Coração de Papelão”, “A Cabana Junto à Praia”, entre muitos outros,
mas acrescento sempre canções do álbum de 2015 e do deste ano. E até outros que
nunca editei.
Nunca
se cansa de repetir as suas músicas?
Jamais! Sou um músico com formação de
jazz e nunca canto da mesma maneira. Encontro sempre uma forma de expressão
diferente, sem comprometer a linha melódica. Dois concertos meus nunca são
iguais. Quando entro em palco, nem sequer tenho alinhamento. Vou tocando
consoante a atmosfera da audiência. E tento sempre regionalizar. Por exemplo, o
“Cai Neve em Nova Iorque”, em Vila Franca de Xira vira para “Cai Neve em Vila
Franca”. O público reage, gosta e parto daí em diante. Orgulho-me de ter o
concerto mais divertido e transversal que existe em Portugal. Ainda no final de
2014, estive na passagem de ano no Terreiro do Paço, em Lisboa, onde 200 mil
pessoas cantaram comigo durante hora e meia sem parar. Só descansámos para o fogo
de artifício.
Tem
planos para abandonar a carreira?
Tenho, quando o meu otorrino disser para
parar. Depois, talvez vá plantar batatas (risos).
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