Assinala-se esta semana o dia internacional da mulher. A revista gira de março >>> http://bit.ly/2mT0RlM traz um especial com algumas mulheres da região que são exemplo de vida pela sua força e empenho. Teresa Porém, a decoradora de interiores de Alhandra, faz um balanço da sua vida aos 75 anos de idade. Uma entrevista conduzida pelo António Dias.
António Dias: Como chega ao mundo da decoração?
Teresa Porém: Sempre gostei. Lembro-me quando era miúda de ser pegada ao colo para ajudar a fazer laços, cortinas e vestidos. É um dom. É claro que qualquer pessoa pode ser criativa, se aprender e se se esforçar. No entanto, é mais simples quando se tem um gosto por isto. Como tal, foi uma decisão fácil que tomei. Trabalhava, na altura, logo após o 25 de Abril, no Instituto de Obras Sociais, num jardim infantil, aqui em Alhandra. Tinham sido quase dez anos da minha vida dedicada às crianças que, verdade seja dita, são a minha outra grande paixão. Saí de lá, tirei um curso e depois comecei a trabalhar na área. Foi difícil porque os tempos eram outros. Havia pouca informação e variedade de produtos. Só que eu era muito habilidosa e adorava engenhocas. Os primeiros estores fui eu que os construí com o meu sogro. Queria implementar um sistema de subir e descer as venezianas e pedi-lhe ajuda. Lá construímos um mecanismo com uns cordeis, ripas e fios e ficou espetacular. Hoje já há de tudo e mais alguma coisa. Mas são estes desafios engraçados que não se esquecem e nos dão alento e experiência de vida. Agora vamos para Angola, Moçambique, trabalhamos 14 a 15 horas sem parar e nunca nos cansamos. É exaustivo? Sim. Mas tem que ser. Caso contrário, morre-se.
Imagino que em Angola trabalhe para uma elite.
Oh, sim! Levamos tudo em contentores. Num dos últimos trabalhos, só em rolos de papel eram uns 46.
A economia também caiu por lá.
É verdade. Por isso, temos que nos acautelar: exigimos 50 por cento do valor do orçamento logo na adjudicação, até porque nós temos que ter o material pago à partida. E, depois, o valor do nosso trabalho é liquidado até ao fecho do contentor aqui em Portugal. Já lá deixei muito di-nheiro em Angola. Se tivesse tudo o que ficou por lá perdido agora no meu bolso já estava reformada. Assim, tenho que trabalhar mais. O que, aliás, nem me incomoda. Não me vejo a fazer outra coisa na vida. Era incapaz de ficar em casa a engonhar.
Mas é uma empresária de sucesso.
Colhemos os louros que semeamos. O segredo é o passa a palavra. Seria impossível viver apenas com clientes da região. Há uns tempos fizémos um trabalho em Viseu a uma senhora que co-nheceu a minha marca depois de visitar uma amiga em Lisboa. Foi a uma festa, gostou da de-coração, perguntou quem a tinha feito e foi assim que chegou até aqui. E depois lá fomos a Viseu. Agora continuam a vir clientes do norte. E, claro, vivemos no tempo da internet. É um universo que desconheço e, confesso, me desinteressa por completo. Reconheço, todavia, que é um grande veículo de informação. Temos um sítio na web, todos os dias postamos algo no facebook... enfim, as minhas funcionárias tratam bem disso. E estamos sempre em cima do acontecimento. Este ano já fomos a quatro feiras internacionais porque a velocidade com que as novidades circulam é estonteante. Só em tecidos e papel de parede temos um autêntico show room. Poucas lojas se podem gabar de ter um stock como o nosso. E, por incrível que possa parecer, há sempre alguém que nos entra pela loja e nos pede algo novo que ainda não temos. Hoje em dia, o cliente é extremamente exigente e temos que responder de igual forma. É por isso que fico muito orgu-lhosa quando elogiam a minha loja e o meu trabalho. E com esta localização única, com o Tejo aqui em frente, bons restaurantes ao lado, esplanadas, museus... É impossível desgostar.
Se esta loja estivesse em Lisboa, era capaz de estar noutro patamar profissional.
Estou muito bem aqui! É claro que se o mesmo espaço estivesse no Parque das Nações seria um maná. E já tive lojas em Cascais. Só que gosto de estar aqui. Vive-se muito bem em Alhandra. Podia-me sair o euromilhões mas nunca iria morar para outro lado. E, confesso, tenho regido a minha vida por um estilo que é ambicioso quanto baste. Há quem diga que é um defeito, só que eu gosto de me resguardar, de estar perto da família, de estar longe da fama. Já tive imensos convites para aparecer aqui e acolá, mas recuso sempre. Admito que se tivesse tomado outras decisões na vida poderia estar noutro nível de riqueza, mas sou feliz assim.
A crise não a fez repensar isso?
Tem sido complicado, é verdade. O fluxo de trabalho é menor mas as despesas continuam a cair. O problema são os impostos: a nossa maior fatia do trabalho é para pagar ao Estado. É um crime. Os trabalhadores são quem menos recebem e deviam ganhar mais. Só que é impossível com esta conjuntura. Nestas condições ainda consigo manter o negócio, mas se me atrasar a pagar o IVA ou o IRS o governo fecha-me a porta. Os trabalhadores sabem muito bem o sacrifício que faço. Já cheguei a ter um atelier com 12 costureiras! Agora, somos sete ao todo.
E onde se vê nos próximos anos?
Estou a pensar deixar o negócio para a minha filha e para o meu genro. Eles percebem muito do assunto, têm muito gosto e fazem escolhas giras e acertadas. E, depois, penso abrir outro negócio, algo que ainda não há aqui em Alhandra.
Quer destapar parte do véu?
(risos) Não. É segredo. Depois conto.
Como vê a evolução de Alhandra e do resto do concelho?
Alhandra está muito bem mas Vila Franca de Xira morreu. Precisava de um valente investimento. O que está ali a Quinta das Torres a fazer ao abandono? Temos um potencial imenso, com o rio aqui ao lado e está tudo parado! Uma universidade, um hospital, lares, creches, há tanto dinheiro por aí espalhado. O que é triste é que quem tem vontade não tem recursos e quem tem dinheiro nada faz. Às vezes, acredito que dava jeito um pouco mais de vontade política. Aquele centro comercial ali no meio da cidade é um desperdício. Quando vou ao banco a Vila Franca, fico sempre em pânico. Tenho sempre que levar alguém no carro para que fique uma pessoa à espera. Dou duas ou três voltas e venho embora. Não pode ser. Então não podiam abrir o estacionamento no Vila Franca Centro? É preciso dar condições às pessoas para que nos visitem. Caso contrário, elas procuram outros locais!
Ser mulher foi alguma vez um impeditivo de algo na sua vida?
Nunca, até porque nunca deixei. Fui uma das primeiras mulheres nas autarquias. Fiz parte da Junta de Freguesia de Alhandra e da Assembleia de Freguesia. Era tudo homens e, apesar de algumas bocas que podia ouvir, nunca verguei. O meu filho mais novo dormiu muitas vezes, naquelas reuniões noite dentro, em cima da secretária. O Pedro Neto, presidente da Junta na altura, dobrava o blusão dele para servir de alcofa. Toda a gente achava graça. Às vezes ofereciam-se para me levar até casa, ou comentavam que uma mu-lher como eu nunca devia andar sozinha na rua. Recusei sempre estes esteriotipos. O que me regia era o meu esforço e a crença no que estava correto. Ninguém tem isto (une o polegar e o indicador) para me apontar. Tenho muitos defeitos mas batalho muito e sou muito organizada. O que tem sido a minha safa! Hoje já fiz a minha sopa, arrumei a casa, estendi a roupa e cá estou! Não sou mulher de estar no café. Há tanto para fazer na vida! Porque haveria de perder o tempo com inutilidades? As mulheres não podem ter medo dos homens. Trabalhem, mostrem que são capazes. Nós somos mais focadas e multifacetadas. Não podemos esmorecer.
E de onde vem toda essa energia?
(risos) Da vida. Fui casada 24 anos mas fui sempre eu que geri a minha rotina, os filhos, a família, ajudando os outros sempre que posso. Foi a vida que me deu estaleca. Há mulheres que se acomodam demasiado e não pode ser! Faz-me uma impressão enorme ver casos em que é o marido que mexe na conta bancária e decide os destinos da casa. Em dezembro fui a Angola sozinha. Não tenho receio algum. Ainda há pouco tempo fiz exames e está tudo perfeito. Em maio lá irei a Fátima a pé como faço todos os anos. Sou eu que puxo por aquele gente. Nunca tenho uma bolha no pé e quando venho de lá tomo um banho e vou trabalhar. Recuso-me a ficar em casa a deprimir. A vida é demasiado curta. E quando estou sem nada para fazer, vou à missa, aos domingos, às 19h, na igreja dos Pastorinhos, em Alverca. Ou então, pego no carro e vou ao cinema. Desde que tenha dinheiro para o bilhete e para o combustível. O que importa é estar viva.
Veja mais fotos e o vídeo da loja da Teresa Porém no sítio da gira e no facebook
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